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Qual é a contribuição da comunicação na normalização de catástrofes sociais e racismo ambiental?

Por Sara Brito, Assessora de Comunicação da Angola Comunicação

Agreste pernambucano | Foto: Sara Brito


Conforme os anos vão passando, vemos mais e mais os efeitos e impactos das mudanças climáticas ao redor do mundo. No Brasil, só neste ano tivemos alguns eventos climáticos extremos, como o ciclone no Rio Grande do Sul e a seca mais severa já registrada na Amazônia, com o Rio Negro atingindo o nível mais baixo em 120 anos de medição.


Mas os efeitos das mudanças climáticas não afetam todas as pessoas da mesma forma. De acordo com o relatório divulgado em 2022 pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas das Nações Unidas (IPCC), moradores de favelas e periferias são 15 vezes mais vítimas de tragédias ambientais do que aqueles que vivem em áreas seguras por ter mais condições financeiras. Esses números demonstram as dimensões do racismo ambiental, a forma como as populações marginalizadas que estão nas periferias das cidades, dos estados, dos países e do mundo são afetadas de forma desproporcional pelos impactos ambientais negativos.


São pessoas negras (que são maioria nas regiões periféricas), comunidades indígenas, quilombolas, zonas rurais e ribeirinhas - grupos de pessoas da mesma raça ou etnia que são muito mais afetadas por desastres. Desastres que não são naturais, como aprendemos com o nosso cliente HUMUS, organização especialista em prevenção e resposta a desastres. Dizer que um desastre é natural normaliza as catástrofes sociais, que muitas vezes são apenas afloradas por eventos climáticos extremos.

A comunicação tem um papel fundamental que pode contribuir com a normalização dessa situação ou apoiar a demanda por justiça ambiental. A Newsletter Cajueira realizou uma análise sobre a atenção que a grande mídia tem dado aos desastres que acontecem no Nordeste, região que normalmente não está na pauta do dia nas discussões das mídias que se dizem “nacionais”.


Comparando a cobertura feita pelo Jornal Hoje, um dos mais importantes telejornais da TV Globo, sobre as enchentes no Rio Grande do Sul, que ocorreram em setembro deste ano, com a cobertura realizada pelo mesmo telejornal sobre as enchentes em Pernambuco em maio de 2022, a Cajueira percebeu uma diferença inegável entre uma e outra. Mesmo causando quase o triplo de mortes em relação à tragédia no Rio Grande do Sul, o desastre em Pernambuco só recebeu maior destaque no Jornal Hoje a partir do quarto dia de enchentes. Enquanto que as enchentes no Rio Grande do Sul tiveram destaque na primeira chamada do jornal desde o primeiro dia, com dois repórteres ao vivo e quadro de previsão do tempo para as cidades afetadas.


Não se trata de medir a dor e vidas das pessoas de uma região ou outra, ou minimizar tragédias e desastres, mas o destaque dado ao sofrimento de um grupo de pessoas é maior do que a atenção dada a outras. O racismo ambiental acaba sendo reproduzido também nos meios de comunicação, que privilegiam pautas de interesse de um certo grupo social que já tem uma posição de destaque na sociedade.


Outro exemplo é trazido por Raquel Kariri em artigo para o Portal Afoitas. Ela aponta a falta de atenção da sociedade no geral aos efeitos das altas temperaturas na população (de mais de 28 milhões de habitantes) do Semiárido brasileiro. Novamente, mesmo com as ondas de calor que atingem o Brasil, não há um esforço da mídia hegemônica em abordar o estresse térmico a que as pessoas desse território estão submetidas, e os consequentes impactos fisiológicos da exposição prolongada às altas temperaturas.

Raquel Kariri ainda destaca que até mesmo pesquisas acadêmicas não levam em conta essa população, como o primeiro estudo de avaliação de bioclimatologia de toda a América do Sul, realizado pelo Laboratório de Aplicações de Satélites Ambientais da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Lasa/UFRJ), que não avaliou nenhum dos municípios do Semiárido brasileiro.


A Organização Meteorológica Mundial alerta que há 98% de chances dos próximos cinco anos serem os mais quentes registrados. Embora esse aumento de temperatura seja sentido mundialmente, não será sentido da mesma forma por todas as pessoas. Pessoas pobres e trabalhadoras sofrerão mais, sobretudo aquelas que trabalham ao ar livre, como agricultores e agricultoras e trabalhadoras/es da construção civil, por exemplo. Há uma grande diferença dos efeitos do calor extremo em quem trabalha fora e quem trabalha em salas refrigeradas com ar-condicionados. Mas quem está falando sobre isso? Alguém já viu uma matéria em que foi ouvido um motorista de ônibus sobre como ele se sente e como estão as suas condições de trabalho em dias atingidos por ondas de calor?


Os efeitos das mudanças climáticas em todas as populações do mundo é um tema atual e que assim permanecerá nos próximos anos. Uma comunicação que esteja de fato alinhada à proteção e garantia dos direitos de todos e todas deve estar preocupada também em abordar o que acontece nas periferias do mundo.

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